quinta-feira, 24 de março de 2011



(...)

Meu amor
O que você faria
Se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria

Andava pelado na chuva?
Corria no meio da rua?
Entrava de roupa no mar?
Trepava sem camisinha?

O que você faria?

terça-feira, 22 de março de 2011

Considerações Iniciais

Essa nova mídia digital globalizada levou embora os (bons?) anos de hipocrisia. Acabou a modéstia, agora está escancarado em todas as telas: TODO MUNDO QUER APAREC(S)ER. As tentativas de alcançar o sucesso variam de acordo com o bom senso, mas aqui vai um conselho: se você quer chamar atenção e não tem nada mais interessante do que "fui ao dentista" e genéricos para dizer, faça uma stripcam. O resultado é de alcance muito maior e não vai ter nenhum homem fingindo interesse no que você posta para te comer (Eles vão estar entretidos de verdade!). Agora se você, como eu, tem apenas um par pernas finas e um cérebro faça um blog e aproveite a impopularidade. Mas antes de empinar esse nariz cult bacaninha não esqueça que os meios não justificam os fins e, por fim, estão todos afim do mesmo holofote. Afinal, de onde surgiu esse desejo em seres que, teoricamente, deveriam apenas almejar a relés sobreviência e perpetuação da espécie?
Há séculos existem Aquiles. Embora antes se tratasse como glória o que hoje se chama de fama, a obsessão por ser lembrado para todo o sempre é a mesma. Claro que naquela época você precisaria ser um grande guerreiro, um santo ou um gênio enquanto hoje é só ser foda e postar no youtube. Desde que há história (e se vocês não estavam trocando bilhetinhos na 5ª série, vão lembrar que isso começa com o primeiro tosco boneco de palito (grande invenção!) desenhado em uma caverna) o homem, enquanto indivíduo, quer desesperadamente estar nela. O que é um pouco estúpido se você levar em conta que a história só fala do ponto de vista dos humanos, de verdades de humanos, da sociedade dos humanos e só será lida por outros humanos que nunca estarão tão interessados assim nos seus feitos porque estão ocupados demais em entrar pra história eles mesmos. Mas se nosso medo irracional de desaparecer é assim tão grande, vamos em frente com nossas abstrações antropocentricas e nossos sonhos de Highlander Matusalem. Não que eu duvide que os brilhantes avanços científicos nos permitam chegar um dia a platina dos 1000 anos (very beautiful)! Já que a vida na nossa sociedade é tão maravilhosa e cheia de sentido vamos adiar um pouco mais o fim. Como se não fosse esse o destino natural de tudo o que existe. Como se eu, você e Ele não soubessemos disso.
Homo sapiens, triste ambiguidade: o cérebro, sua grande arma de defesa é também sua ruina. Criamos uma realidade exclusiva (na qual acreditamos com uma certeza que lembra muito a tão criticada fé cega): nomeamos, dividimos, classificamos, igualamos. A Terra, os Seres, o Espaço, o Além, o Infinito (INFINITO é o cúmulo)! Criamos até as faltas: a pobreza, as doenças, a fome, a psicose, as tristezas. Dores de cabeça, meu amigo? Pensar é enlouquecer. (Em todo caso, tome tylenol) Tudo que te cerca nada mais é que fantasia humana, pequena e efêmera como nossos 200.000 (menos que o prêmio da raspadinha!) anos de existência.
Então, o que te aflige? Dinheiro? Papel! Amigos? Convenção! Amor? Hormônios! Aquecimento global? Francamente, quem vossa excelência é pra se preocupar com isso? Você que nem controle sobre si mesmo tem. Esquece essa história de salvar a humanidade, gaste seu tempo com coisas engraçadas! Além disso, o carbono é só uma dentre várias possibilidades de extinção. Os dinossauros caíram, eles tinham pele de lagarto e estruturas ósseas imensas. Quando for a hora o que vai nos salvar? Um cérebro?! Não, a evolução da vida não vai parar por aqui. Em breve esse tédio de gente acaba e não seremos senão peças de museu de um futuro muito mais interessante.

NÃO ENTRE EM PÂNICO!

– Seis chopes duplos – disse Ford Prefect ao barman do Horse and Groom. – E depressa, porque o fim do mundo está próximo.
O barman do Horse and Groom não merecia ser tratado desse jeito, era um senhor de respeito. Ajeitou os óculos e encarou Ford Prefect. Ford ignorou-o e virou-se para a janela, de modo que o barman encarou Arthur, que deu de ombros, como quem também não entendeu, e não disse nada.
Então, o barman disse:
– Ah, é? Um belo dia pro mundo acabar. – E começou a tirar os chopes.
Tentou outra vez.
– E então, o senhor vai assistir ao jogo hoje à tarde? – Ford virou-se para ele.
– Não, não tem sentido – disse, e virou-se para a janela novamente.
– Quer dizer que o senhor acha que nem adianta? – insistiu o barman. – O Arsenal não tem a menor chance?
– Não, não – disse Ford. – É só que o mundo vai acabar.
– Ah, é mesmo, o senhor já disse – respondeu o barman, olhando agora para Arthur por cima dos óculos. – Seria uma boa saída para o Arsenal, escapar da derrota por causa do fim do mundo.
Ford olhou de novo para o velho, realmente surpreso.
– Na verdade, não – disse, franzindo a testa. O barman respirou fundo.
– Aí estão, seis chopes.
Arthur sorriu para ele, sem graça, e deu de ombros outra vez. Virou-se para trás e dirigiu um sorriso sem graça ao resto do bar, caso alguém mais tivesse ouvido a conversa.
Ninguém tinha ouvido nada, e ninguém entendeu por que Arthur estava sorrindo para eles daquele jeito.
Um homem sentado ao lado de Ford no balcão olhou para os dois homens, depois para os seis chopes, fez um rápido cálculo de cabeça, chegou a um resultado que lhe agradou e sorriu de forma boba e esperançosa para os dois.
– Nem pensar – disse Ford – , são nossos. – Dirigiu ao homem um olhar que faria um tigre solar algoliano continuar fazendo o que estivesse fazendo.
Ford jogou uma nota de cinco libras no balcão, dizendo:
– Pode ficar com o troco.
– O que, cinco libras? Muito obrigado, meu senhor.
– Você tem dez minutos pra gastar isso.
O barman decidiu que era melhor ir fazer outra coisa.
– Ford – disse Arthur – , você pode por favor me explicar que história é essa? ,
– Beba – disse Ford. – Ainda faltam três chopes.
– Você quer que eu beba três canecos de chope na hora do almoço? – O homem do lado de Ford sorriu e concordou com a cabeça, satisfeito.
Ford ignorou-o e disse:
– O tempo é uma ilusão. A hora do almoço é uma ilusão maior ainda.
– Muito profundo – disse Arthur. – Essa você devia mandar pra Seleções. Eles têm uma página pra gente como você.
– Beba.
– Por que três canecos de chope de repente?
– É um relaxante muscular, você vai precisar.
– Relaxante muscular?
– Relaxante muscular.
Arthur olhou para dentro do caneco.
– Será que eu fiz alguma coisa de errado hoje – disse ele – ou será que o mundo sempre foi assim, só que eu estava encucado demais pra perceber?
– Está bem – disse Ford. – Vou tentar explicar. Há quanto tempo a gente se conhece?
– Há quanto tempo? – Arthur pensou um pouco. – Deixe ver, uns cinco anos, talvez seis. A maior parte desse tempo pareceu fazer algum sentido na época.
– Está bem – disse Ford. – Qual seria a sua reação se eu lhe dissesse que não sou de Guildford e sim de um pequeno planeta perto de Betelgeuse?
Arthur deu de ombros, com indiferença.
– Sei lá – disse, bebendo um gole. – Por quê? Você acha que é capaz de dizer uma coisa dessas?
Ford desistiu. Realmente, não valia a pena se preocupar com aquilo naquele momento, com o fim do mundo tão próximo e tudo o mais. Limitou-se a dizer:
– Beba. – E acrescentou, como quem dá uma informação como outra qualquer: – O fim do mundo está próximo.
Arthur sorriu sem graça para o resto do bar, outra vez. O resto do bar fez cara feia para ele. Um homem lhe fez sinal para que parasse de sorrir para eles e cuidasse de sua própria vida.
"Hoje deve ser quinta-feira", pensou Arthur, debruçando-se sobre o chope. "Nunca consegui entender qual é a das quintas-feiras."
Ford virou-se depressa para o barman e pediu-lhe quatro pacotes de amendoins.
-Tome aí – disse o barman, colocando os pacotes no balcão. – São 28 pence, por favor.
Ford foi generoso: deu ao homem mais uma nota de cinco libras e disse que ficasse com o troco. O barman olhou para a nota e depois para Ford. De repente estremeceu: teve momentaneamente uma sensação que não compreendeu, porque nenhum terráqueo jamais a experimentara antes. Em momentos de grande tensão, todas as formas de vida existentes emitem um pequeno sinal subliminar. Este sinal simplesmente comunica uma noção exata e quase patética do quanto a criatura em questão está longe de seu local de nascimento. Na Terra, nunca se pode estar a mais de 26 mil quilômetros do local de nascimento, uma distância não muito grande, na verdade, e portanto esses sinais são demasiadamente fracos para serem percebidos. Ford Prefect estava naquele momento sob grande tensão, e nascera a 600 anos-luz dali, perto de Betelgeuse.
O barman ficou desnorteado por um momento, atingido pela sensação chocante e incompreensível de distância. Ele não sabia o que significava aquilo, mas olhou para Ford Prefect com mais respeito, quase com reverência.
– O senhor está falando sério? – perguntou ele, sussurrando baixinho, o que teve o efeito de fazer com que todos se calassem no bar. – O senhor acha que o mundo vai mesmo acabar?
-Vai – disse Ford.
– Mas hoje?
Ford havia se recuperado. Sentia-se mais irreverente do que nunca.
– É – disse, alegre – , daqui a menos de dois minutos, na minha opinião. O barman não conseguia acreditar na conversa que estava tendo, mas também não conseguia acreditar na sensação que acabara de experimentar.
– Podemos fazer algo a respeito?
– Não, nada – respondeu Ford, enfiando os amendoins no bolso. Alguém de repente soltou uma gargalhada no bar silencioso, rindo da burrice de todos.
O homem ao lado de Ford já estava meio alto. Com esforço, focalizou os olhos em Ford.
– Eu pensava – disse ele – que quando o mundo acabasse todo mundo tinha que deitar no chão ou enfiar a cabeça num saco de papel, ou coisa parecida.
– Se você quiser, pode – disse Ford.
– Foi o que disseram pra gente no exército – disse o homem, e seus olhos começaram sua longa jornada de volta para o copo de uísque.
– Isso vai ajudar? – perguntou o barman.
– Não – disse Ford, com um sorriso simpático. – Com licença, tenho que ir embora – deu adeus e saiu.
O bar ainda permaneceu em silêncio por um instante, e depois o homem da gargalhada estrepitosa atacou de novo, deixando todos sem graça. A garota que ele arrastara até o bar meia hora antes já o detestava cordialmente a essa altura e provavelmente ficaria muito satisfeita se soubesse que, dentro de uns 90 segundos, ele iria se evaporar em um sopro de hidrogênio, ozônio e monóxido de carbono. Porém, quando chegasse a hora, ela também estaria ocupada demais se evaporando para se preocupar com isso.
O barman pigarreou. Quando se deu conta, estava dizendo o seguinte:
– Últimos pedidos, por favor.


  • Douglas Adams, O guia do mochileiro das galáxias;